Editorial, assinado por Marcio Almeida, publicado originalmente na Revista Clínica de Ortodontia Dental Press, v18n1
Em um artigo publicado em janeiro de 2019, o reconhecido The New York Times (No More Brace Face? Teens Increasingly Use Clear Aligners) trouxe à tona uma importante reflexão a respeito de um dos assuntos mais hodiernos e comentados da nossa querida especialidade Ortodontia — que um dia já foi considerada, pela impactante revista Time, uma das especialidades que iriam desaparecer com a entrada do novo milênio, em meados dos anos 2000. Isso mesmo, estamos falando dos alinhadores transparentes (invisíveis), que vêm ganhando, velozmente, adeptos ao redor do mundo todo, em função do aumento de sua popularidade entre os ortodontistas e entre os pacientes, principalmente os adultos, que vislumbram um tratamento que não depende do uso dos convencionais braquetes e arcos ortodônticos.
Outrossim, o fato é que o número de crianças e adolescentes que têm buscado o tratamento ortodôntico aumentou drasticamente nos últimos anos. A American Association of Orthodontists estima que quase 5 milhões de pacientes com menos de 17 anos de idade foram tratados na América do Norte em 2016, o que significa um aumento de 66% desde o ano de 1989. Aqui no Brasil não é diferente: cada vez mais, observamos crianças que adentram em nosso consultório para o tratamento interceptativo de potenciais más oclusões na dentição mista. Curiosamente, com esse aumento crescente de crianças nos consultórios, já se pode observar alinhadores sendo utilizados numa fase precoce de desenvolvimento da oclusão, os chamados alinhadores Teen ou First (Align).
O The New York Times afirma ainda que a Align Technology, que detém o produto da marca comercial Invisalign, relatou um aumento no uso dos seus produtos em pacientes adolescentes (Invisalign Teen) de 100.000 para mais de 235.000 entre os anos de 2013 e 2017. Indubitavelmente, existe uma forte influência das mídias sociais na formação de opinião e consumo dos jovens pacientes. Antes, era comum para um paciente ortodôntico jovem usar aparelhos extra-bucais, bandas e outros aparelhos. Hoje, muitos adolescentes vêm sendo influenciados pela mídia digital, por meio dos chamados digital influencers, no afã de usar os alinhadores transparentes, motivados para construir seus belos sorrisos confortavelmente e com maior qualidade de vida.
Recentemente, um estudo conduzido pelos amigos Flores-Mir e Pacheco-Pereira comparou a qualidade de vida e a satisfação dos pacientes com o tratamento ortodôntico quando do uso de duas modalidades: aparelho convencional fixo e Invisalign. Verificou-se que ambos os tratamentos propiciaram aos pacientes qualidade de vida e satisfação similar. Entretanto, o grupo de pacientes que usou Invisalign reportou maior satisfação ao se alimentar, comparado ao grupo que usou braquetes convencionais. De fato, os alinhadores transparentes estão em crescente ascensão, pois o sistema tridimensional de digitalização dos processos é um dos grandes diferenciais nesse contexto atual. Os primeiros alinhadores que chegaram às mãos dos neófitos ortodontistas não tinham a mesma facilidade de aquisição e manipulação clínica, haja vista que havia necessidade de moldar o paciente com materiais específicos e o planejamento virtual não dispunha das ferramentas que hoje temos ao nosso alcance.
A previsão antecipada dos movimentos dentários em 3D, quer seja com braquetes ou alinhadores, bem como a simulação das diversas formas e possibilidades de tratamento são alguns dos diferenciais de se tornar digital no consultório. Portanto, a revolução digital e tecnológica parece ser irreversível, e está cada vez mais embrenhada nas nossas vidas, quer seja profissional ou não. O futuro da Ortodontia digital é agora! Essa Ortodontia já é realidade para os que usufruem de um scanner intrabucal em suas próprias clínicas, para obtenção de modelos digitais (em arquivo STL) e para a confecção de aparelhos prototipados em laboratórios preparados para a aquisição virtual dos arquivos digitais adquiridos. Além disso, a comunicação com o cliente mudou drasticamente, pois o planejamento em 3D auxilia a visualização dos prováveis resultados do tratamento e serve como uma valiosa ferramenta de venda para o ortodontista, que pode mostrar instantaneamente os prováveis resultados que serão alcançados com os alinhadores.
Caminhamos para uma Ortodontia que, ao meu ver, poderá ser fragmentada com o uso combinado de aparelhos fixos e de alinhadores removíveis. É uma Ortodontia que, acredite ou não, não tem mais volta. Provavelmente, casos mais complexos serão tratados com Ortodontia fixa numa primeira etapa e serão finalizados com alinhadores após as correções dentoalveolares mais difíceis de serem alcançadas. Obviamente, devemos lembrar que os alinhadores são aparelhos removíveis e, assim, dependem da colaboração do paciente para serem eficazes. A maioria dos alinhadores requer mais de 20 horas de uso diário para funcionar adequadamente. Vale mencionar ainda que, em alguns países, dentistas clínicos que não são especialistas em Ortodontia já executam o tratamento com alinhadores.
Indo um pouco além, e isto sim é um pouco assustador, já existem companhias que, infelizmente, permitem que o próprio paciente faça a prescrição e impressão do seu “kit” de alinhadores, os chamados “do it by yourself”, e execute o tratamento. O que eu acho disso? Um absurdo! Penso que o tratamento com qualquer tipo de alinhador deve ser executado exclusivamente por ortodontistas com conhecimento de biomecânica. É fato que resultados malsucedidos ocorrem tanto com alinhadores quanto com aparelhos fixos. No entanto, o profissional capacitado é o único que terá condição de tratar de forma adequada e transparente, já que não existe uma solução ou fórmula mágica para tratar todos os problemas tanto com aparelhagem fixa quanto com alinhadores. E você, o que pensa sobre o assunto? Façamos todos uma reflexão sobre os novos rumos de nossa querida Ortodontia.
Um abraço do Marcio e fiquem com Deus!