Waldemar Polido
Doutor em Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial pela Faculdade de Odontologia da PUC-RS, Especialista em Implantodontia pelo CFO, editor-chefe da área de implante da Revista Dental Press JCDR.
O objetivo de uma publicação, seja ela de lazer, de notícias ou científica, é sempre o mesmo: contribuir com o conhecimento na área em que a publicação se propõe e ter o seu material lido e comentado por todos, aumentando o número de leitores, e com isso ter o seu valor reconhecido.
Em uma revista científica, lidamos com mais fatores do que simplesmente ler uma notícia de entretenimento. O leitor precisa ter um discernimento maior a respeito do que está escrito, e do quanto aquela informação pode ser útil à sua prática diária de tratar da saúde das pessoas.
Assim, neste texto, discutirei algumas dicas de como tornar sua leitura mais produtiva. Afinal, atualmente, inúmeras publicações científicas abordando os mais diversos aspectos da Odontologia estão à disposição dos cirurgiões-dentistas. Relatos de casos, manuscritos técnicos, revisões de literatura, estudo retrospectivo de casos, avaliações prospectivas, pesquisa clínica e pesquisa de matérias básicas são alguns tipos de publicações encontradas em periódicos nacionais e estrangeiros relacionados com a Odontologia.
Existe um valor inquestionável, para o leitor, dos mais diferentes artigos publicados na literatura e da utilização desses conhecimentos em seus pacientes. Afinal, as pesquisas são realizadas por centros universitários e pesquisadores clínicos independentes, visando o aproveitamento no paciente.
No entanto, se o artigo promove ou ensina uma técnica ou uma filosofia de trabalho sem fundamentação, ainda não bem testada, existe, igualmente, um potencial negativo tanto para o leitor (nós, clínicos) quanto para seus pacientes. A realidade é que raramente existe uma verdade absoluta revelada em uma publicação, um conhecimento que o leitor possa tomar como uma “crença” ou guia absoluto para seus procedimentos.
A publicação de pesquisas clínicas é de extrema importância se desejarmos melhorar o atendimento clínico de nossos pacientes. Isso contrasta com a publicação de artigos não científicos que, frequentemente, fornecem informações não confiáveis.
A falta de confiabilidade nesses relatos não científicos deve-se basicamente a dois fatores: 1) os autores tendem a relembrar suas experiências favoráveis; e 2) há tendência a racionalizar separadamente resultados desfavoráveis. Entretanto, não vamos ser enganados por artigos autodenominados “científicos” e de “pesquisa”, uma vez que não há garantia de que as conclusões dos autores, em tais trabalhos, são válidas.
Mas, uma vez que não podemos deixar de ler revistas científicas, que tal analisarmos essas publicações de uma maneira diferente, mais agradável e, ao mesmo tempo, mais criteriosa e mais produtiva do ponto de vista clínico? O que nós, leitores, podemos fazer, considerando-se que devemos estar a par dessas publicações para dar um tratamento melhor, mais atualizado e mais seguro aos nossos pacientes?
Vamos usar como exemplo um tipo de publicação que tem sido muito frequente nas revistas , que são os relatos clínicos sobre implantes osseointegráveis. Existem, hoje, inúmeras marcas e tipos de implantes e biomateriais, cada um quer provar que o seu é melhor, publicando relatos de casos, pesquisas clínicas e estatísticas. Assim, sugerimos alguns passos e dicas para que seja possível verificar se um determinado trabalho é relevante à nossa prática clínica:
AVALIAÇÃO GERAL
- Passe os olhos, buscando o sentido central do trabalho, palavras-chave e resumo. Isso vai lhe dar uma ideia geral dos achados, e por que eles querem dizer algo.
- Mantenha o foco nos títulos e subtítulos, sem tomar notas.
- Não seja enganado por títulos ilusórios sobre o tempo de controle (follow-up). Avalie o tempo médio de controle dos casos, e não um ou dois casos com 5 ou 6 anos e a maioria com 6 meses.
- Veja a data da publicação — para muitas situações, pesquisas atuais são mais relevantes.
- Isso vai lhe fazer decidir se vale a pena ler com atenção o artigo. Se for o caso, passe ao item a seguir.
RELEIA O TRABALHO
- Ao reler com maior atenção, se pergunte: Qual problema o trabalho está tentando resolver?
- Faça as questões “Por que esse estudo foi feito?”, “Qual é a hipótese sendo testada”, e “Qual o seu mérito?”.
- Questione: “Como foi conduzido esse estudo?”. Essa questão é respondida por meio da avaliação da metodologia empregada, verificando se ela foi adequada. Uma medição objetiva (quantitativa) é preferível a resultados subjetivos ou gerados por testemunhos.
- Qual a taxa de sucesso? Inclua nesse item os implantes que foram avaliados clínica e radiograficamente, em um determinado período de tempo.
- Caso não tenha havido controle radiográfico, os casos são incluídos na taxa de sobrevivência, e não podem ser considerados como sucesso.
- Verifique quais os casos de fracasso, que são aqueles implantes/restaurações que foram perdidos/removidos.
- Por fim, e o mais importante, verifique se o autor foi honesto, retirando da estatística casos que não contam, ou seja, casos em que foram realizados implantes mas o paciente não compareceu ao controle, ou está viajando, ou faleceu. Por exemplo, se o autor realizou 100 implantes, mas desses somente 60 foram controlados, toda a estatística deve ser realizada sobre 60, e não sobre 100. Dessa forma, avalie criteriosamente o relato do autor sobre sua casuística e seu sistema.
A seguir, pergunte:
- Os achados são suportados por evidências — desse e de outros trabalhos?
- O estudo é reprodutível?
- Quais fatores podem afetar os resultados?
INTERPRETAÇÃO
- Examine gráficos, figuras e tabelas com atenção.
- Tente interpretar os dados e analisar fotos e figuras antes de olhar as legendas.
- Avalie quais são os resultados deste estudo. Responda a essa questão verificando se os dados são aplicáveis à hipótese pretendida, e quais as conclusões que você tira. Não importa o que o autor concluiu, uma vez que a interpretação dele certamente será mais tendenciosa do que a sua.
- Sendo as conclusões válidas, “qual o impacto delas sobre as decisões clínicas?”.
- Tenha certeza de que você identificou os pontos principais. Caso contrário, releia o texto.
RESUMO
- Faça anotações, isso lhe ajuda a relembrar os pontos principais.
- Faça uso de recursos dos softwares para marcar e salientar, se você estiver lendo uma versão digital do artigo! As respostas às considerações acima devem estar claras ou pelo menos referidas na introdução. Quando não existe uma hipótese aparente, é importante que o leitor a desenvolva. Se isso não pode ser feito, é sinal de que o trabalho não tem relevância clínica, e talvez ler o jornal ou a revista semanal, ou brincar com seus filhos seja mais proveitoso. Como dicas finais, sugerimos que você:
- Diferencie sucesso de sobrevivência, e seja crítico na avaliação dos dados.
- Leia os resultados e estude os dados reais apresentados.
- Forme suas próprias conclusões.
- Compare suas conclusões com as do autor.
- Decida que conclusões são melhores, mais precisas e mais honestas.
Como nota pessoal, eu adicionaria: envie seus comentários e críticas ao Editor-Chefe, pois só assim poderemos melhorar cada vez mais a qualidade das publicações. Finalmente, e de vital importância, esses passos estimulam nosso aprendizado e raciocínio, e levam ao reconhecimento e à utilização de métodos de tratamento racionais para proporcionar uma melhor qualidade de atendimento aos nossos pacientes.
Boa leitura!