David Normando
Doutor em Ortodontia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e professor adjunto da Universidade Federal do Pará (UFPA). É o atual editor-chefe da Dental Press Journal of Orthodontics (DPJO) e presidente do 11º Congresso Internacional da ABOR.
O prazer dos banquetes não está na abundância dos pratos, mas, sim, na reunião dos amigos e na conversação.
Cícero, filósofo romano.
A palavra congresso (do termo latino congressus) significa uma reunião de pessoas com o propósito de discutir um assunto do interesse de todos.
Todo mês de outubro de anos ímpares, a Associação Brasileira de Ortodontia e Ortopedia Facial (ABOR) realiza o seu. O objetivo é reunir pesquisadores, professores, especialistas e pós-graduandos que tenham a Ortodontia como seu Santo Graal.
Neste ano, ocorre a 11ª edição do Congresso Internacional da ABOR, na cidade de Belém do Pará. É a primeira vez que ele será realizado na Amazônia brasileira. Nessas paragens, existe o Museu do Encontro, localizado no Forte do Presépio. Nele, pode-se observar uma gravura do alemão Hans Staden, na qual índios tupinambás estão congregados para mais uma cerimônia. De origem tupi, aqueles indígenas habitavam quase toda a costa do Brasil antes da chegada dos portugueses. Eram conhecidos pelo seu espírito aguerrido e por realizarem encontros que, inicialmente, pareciam rituais de canibalismo.
Essa prática antropofágica, entre boa parte dos índios tupinambás, acontecia por razões que ultrapassavam a função biológica da alimentação. O consumo de carne humana acontecia como um resultado de ações simbólicas desenvolvidas em situações de guerra entre diferentes povos. Para alguns, havia a crença de que por meio desse ritual poderiam incorporar a força do guerreiro capturado.
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Os congressos são, portanto, atividades que realizamos desde antes do surgimento da ciência. Os de caráter científico têm como objetivo básico a difusão do conhecimento técnico-científico de forma mais célere, visto que as publicações científicas possuem um caminho mais longo e lento. Experts do mundo inteiro se reúnem para apresentar, de forma direta e bastante ilustrativa, a sua perspectiva sobre determinado assunto. Alguns, apoiados na ciência; outros, nem tanto — refutando ou questionando as evidências.
Quando os sistemas de transmissão de som e imagem à distância emergiram no meio acadêmico, no início dos anos 90, antes mesmo do advento da internet, o Prof. Omar Gabriel da Silva Filho foi indagado se essa tecnologia causaria o fim dos encontros científicos. Com a sabedoria que lhe cabe, respondeu que nada poderia substituir o contato frente a frente entre as pessoas; que a possibilidade de falar diretamente com um palestrante ou seus colegas, em uma reunião ou congresso, é uma atividade que existirá enquanto durar a nossa espécie. Omar sempre acreditou que há muito de sentimento em um evento científico. Sentir a entonação e emoção da voz, desfrutar da possibilidade de se aproximar dos palestrantes — alguns, verdadeiros ídolos —, tomar contato com ideias e produtos antes mesmo de que sejam lançados, apresentar dados do seu trabalho ainda em desenvolvimento e, principalmente, rever amigos que o tempo insiste em não abduzir são ações que nos permitem acreditar na previsão lúcida de Omar.
Congressos são, portanto, encontros que nos mantêm socializados, entrelaçados pela amizade. Sem dúvida, a ciência é o nosso alimento; todavia, assim como os nossos antepassados tupinambás, “a gente não quer só comida, a gente quer comida, diversão e arte”.
E você? Tem fome de quê?
* Texto publicado originalmente na DPJO (v22n5)