Editorial assinado por Marcio Almeida e publicado originalmente na Revista Clínica de Ortodontia Dental Press v17n6
A Ortodontia, enquanto especialidade, foi por muito tempo considerada a disciplina que buscava retificar os dentes mal posicionados nos arcos superior e inferior, referenciando a obtenção de uma oclusão funcional ideal a la Angle, o Pai da Ortodontia. Hodiernamente, não podemos con- siderar a nossa querida Ortodontia uma ciência que vislumbra corrigir apenas dentes. Sabe-se que a ênfase na estética facial e a melhora na qualidade de vida são requisitos sine qua non ao tratarmos nossos pacientes.
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Por falar nos nossos pacientes, somos frequente- mente indagados quanto a três perguntas básicas: 1) Doutor, quanto custará meu tratamento? 2) Doutor, para efetuar o tratamento do meu caso será necessário remover algum dente? E, finalmente, talvez a pergunta mais constante no nosso consultório: 3) Doutor, quanto tempo vai durar o meu tratamento ortodôntico? O tempo de tratamento tem sido considerado um fator-chave tanto para os ortodontistas quanto para os pacientes, principalmente os adultos.
Desde o clássico trabalho de Reitan , que data da década de 60, aceita-se que o tratamento ortodôntico pode ser longo, pois o tempo de tratamento é largamente influenciado pelos princípios bio- lógicos que regem o movimento dentário ideal. Numa época em que novas tecnologias emergem rapidamente, como os procedimentos cirúrgicos tipo corticotomias, piezosurgery, micro-osteoperfurações, as vibrações, o laser de baixa intensidade, os fotobiomoduladores, os medicamentos e por aí afora, no sentido de acelerar o movimento dentário, pergunta-se: o que realmente é determinante para se executar uma Ortodontia com qualidade e com velocidade? Como é possível diminuir nosso tempo de tratamento?
Antes de tentar responder a essas indagações, permita-me inferir alguns comentários sobre o tema. Um maior tempo de tratamento está intrinsicamente relacionado a uma maior chance de se observar reabsorção radicular, um maior acúmulo de placa, levando à desmineralização do esmalte, e uma piora na qualidade de vida do paciente.
Por outro lado, um menor tempo de tratamento, relaciona-se a um menor tempo de cadeira, menores danos ao esmalte dentário, custos reduzidos para o paciente, entre tantos outros fatores . Uma pergunta que parece oportuna: Quanto tempo, em média, dura um tratamento ortodôntico? Um estudo recente publicado na AJODO analisou, por meio de uma revisão sistemática, o tempo médio de duração do tratamento ortodôntico, assim como o número de consultas requeridas. Concluiu que o tempo médio do tratamento ortodôntico foi menor que dois anos (19,9 meses) e o número de consultas foi de 17,81.
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Isso nos leva a refletir acerca dos prováveis fatores que influenciam o tempo de tratamento, como gravidade da má oclusão, cooperação do paciente (quebra de aparelhos e uso de elásticos), experiência do ortodontista, expectativa do paciente quanto aos objetivos a serem atingidos (obtenção da estética ideal e oclusão funcional) e sequenciamento mecânico. Esse último é considerado um ponto ímpar na questão tempo de tratamento. Na verdade, tradicionalmente, aceita-se que o tratamento com aparelhos fixos pode envolver múltiplas fases, que devem ser obedecidas no afã de corrigir um problema de cada vez, e somente após a correção de um dado problema, alterna-se para correção do próximo alvo. Tipicamente, as fases do tratamento são compostas de correção transversal, alinhamento e nivelamento, correção vertical, correção sagital, fechamento de espaços, finalização e detalhamento da oclusão. Desse modo, ao sequenciar mecanicamente as fases do tratamento, assume-se que o tempo de tratamento poderá ser aumentado. Uma reflexão deve ser feita a respeito desse importante ponto. Alguns consideram o tipo de braquete usado (autoligável ou convencional) como provável fator responsável por influenciar o tempo de tratamento; outros, o tipo de prescrição. A literatura parece demonstrar que o tempo de tratamento não depende do design do braquete escolhido. O “superbraquete”, na verdade, não existe!
Particularmente, acredito em três vertentes que podem diminuir o tempo de tratamento dos nossos casos ortodônticos: 1) Procurar depender menos dos pacientes quanto à colaboração no uso de elásticos intermaxilares para correção de algumas más oclusões, pois fazer o mais simples nem sempre é a melhor solução; 2) Tratar o maior número de problemas simultaneamente; e 3) Minimizar os efeitos colaterais da mecânica empregada, com foco ajustado no sistema de forças. De fato, ajustar a biomecânica de maneira que os efeitos colaterais possam ser diminuídos ou anulados faz uma diferença muito grande no tempo total de tratamento. Porquanto, a célebre frase do Dr. Ravindra Nanda nunca fora tão pertinente: em um tratamento que dura em média dois anos, passamos um ano tratando os problemas que o paciente apresenta, e outro ano tratando os efeitos colaterais decorrentes da mecânica. Em se tratando de efeitos colaterais, como podemos minimizá-los?
A Ortodontia com ancoragem esquelética, indubitavelmente, vem permitindo não somente controlar os efeitos colaterais durante o tratamento ortodôntico, quer seja com mini-implantes ou miniplacas, mas também tratar problemas simultâneos. Além disso, começamos a perceber que um dos pontos cruciais no tratamento de casos com problemas associados (sagital e vertical) é o manejo e controle rotacional dos planos oclusais. A biomecânica com mini-implantes permite amplificar o envelope de discrepâncias dos movimentos dentários como nunca antes visto na prática clínica. Assim, o clínico deve ficar atento às diversas possibilidades biomecânicas de aplicação da ancoragem esquelética como forma de produzir um tratamento mais eficiente, com controle dos efeitos colaterais e do- mínio dos planos oclusais.
Não obstante todos os fatores relacionados aqui, deve-se lembrar que uma finalização de excelência com a obtenção de uma oclusão próxima da perfeição (padrão ABO/BBO) pode tomar mais tempo do que gostaríamos, e nem sempre nosso paciente vai ser paciente o suficiente para encarar esse desafio. Não existe uma super-mecânica capaz de reduzir o tempo de tratamento. Todos temos limitações! A bem da verdade, não existe um “superortodontista”. Finalizo com parte de um tex- to extraído e modificado da Angle Orthodontist (“O Superortodontista”, por Robert M. Rubin) , que serve para reflexão de todos nós, clínicos: “Você o reconhece pelas suas características físicas, corpo atlético, cabelos bem aparados, vestindo um terno impecável e sapatos italianos. Ele corre 16 quilômetros toda manhã antes de ver os seus pacientes. Trabalha num consultório decorado com arte contemporânea, ao lado de uma excepcional recepcionista e assistentes que mais parecem ex-cheerleaders (animadoras de torcida), muito entusiasmadas e que nunca tiveram problema de dor de cabeça, resfriado ou tensão pré-menstrual. Toda família que adentra em seu consultório prontamente aceita seu plano de tratamento, oferecendo-se para pagar o honorário adiantado. Seus pacientes escovam os dentes e passam fio dental continuamente, e o único caso de descalcificação que teve foi logo no início da sua carreira. Bandas soltas e arcos distorcidos são raros. Aparelhos de contenção, extrabucais e elásticos são utilizados como prescrito por, virtualmente, todos os pacientes, e as rotações dentárias teimam em não recidivar. Ele e seus sócios do consultório se dão super bem”. Certo? Errado! Esse ortodontista não existe! De acordo com Rubin, nos próximos congressos, gostaria de escutar de ortodontistas como ele, aqueles que têm pacientes com mordida aberta que não fecha, aqueles que entendem de recidivas, consultas e aparelhos perdidos… Ortodontia não é fácil. A cavidade bucal é pequena, arcos são entortados, crianças não escovam os dentes… Pessoas são seres-humanos; todos nós somos. (Robert M. Rubin, Angle Orthod., 1986).
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Um abraço do Marcio e boa leitura!
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